terça-feira, 22 de maio de 2018

Recambiamento de um morador de rua empoderado

O dia em que o levamos de volta pra casa

*Algumas informações e nomes não foram colocados para preservar a identidade dos participantes, mas a história é real. O personagem principal é "aquele senhor". 

Enquanto nós do comboio que o levava estávamos apreensivo, aquele senhor dormia no carro e escolhia onde iríamos parar para lanchar.


Era uma quinta-feira e eu já sabia o que seria do meu dia. Estávamos na segunda tentativa de recambiar um morador de rua que se tornou personagem quase folclórico na cidade. Era uma terça-feira de julho, depois de um mês de planejamento, ele (o nome mais falado na os últimos tempos, que não vou colocar aqui para proteger a identidade) nos avisou que não viajaria aquele dia. Afinal, tinha pago banho e tosa para os três cachorros e agendado para o dia seguinte. Do bolso, lotado de papéis, entre notas, cartões de visita e anotações, nos apresentou a nota fiscal da loja: R$100, que iriam deixar seus animais prontos para a viagem. Os cachorros não poderiam viajar sujos como estavam. Sendo assim, buscamos uma conciliação para remarcar a data. Ficou agendado para dali há dois dias. Quinta-feira aquele senhor voltaria para sua cidade natal.

De pele morena, touca de lã e casaco verdes, sempre acompanhado por seus cachorros, aquele homem em situação de rua já havia aparecido diversas vezes nas redes sociais de notícias da cidade e em nossos e-mails institucionais. Ele dividia opiniões. Seu perfil acumulador gerava incômodo aos que passavam pelo coração da cidade. Meses antes, aparecera em um lugar onde milhares de pessoas transitam todos os dias, bem no centro da cidade. Se moradores de rua tendem a serem invisíveis, este senhor não era um deles. Ele se tornava um outro personagem da cidade, assim como são o “Tio do Apito” e a “Tia da Buchinha”. No entanto, ele decidiu ficar. Permaneceu naquele lugar e todos os dias acumulava suas coisas e espalhava lixo pelas pedras portuguesas do calçadão. Dois cachorros se tornaram três. E ele continuava ali, conversando com quem passava, dando comida aos pombos e cuidando dos seus companheiros de quatro patas. Os cães eram seus protetores.

As opiniões eram diversas. Existiam aqueles cidadãos que se sentiam extremamente incomodados com aquela figura no meio do caminho. Existiam aqueles que o ajudavam, com cobertores, colchões, roupas e comida. E existiam, principalmente, aqueles que se comoviam com o amor daquele senhor por seus cachorros. Este era o maior empecilho para o recambiamento daquele senhor. Enquanto os migrantes recebem passagens de ônibus para voltarem para suas cidades, ele não iria se não fosse com seus cachorros. Em uma das abordagens, perguntou ao abordador, taxista nos horários de folga, o profissional da Abordagem em quem tinha mais confiança: “Você me levaria para minha cidade em seu táxi?” O abordador respondeu que levaria, mas que os cachorros não poderiam ir no carro. A equipe viu nesse desejo, a oportunidade de tirar aquele senhor daquela situação.

O homem é aposentado, possui renda, família e uma casa em outra cidade do interior de Minas. Todavia, prefere morar na rua nesta cidade, que é maior. Morar nas ruas, acumulando  e espalhando muitas coisas nos lugares onde decidiu permanecer. Todos são livres para ir, vir ou permanecer, só não podem atrapalhar as vias. A realidade de muitos que vivem nas ruas é a quebra do vínculo familiar e os vícios em álcool ou outras drogas, que são os motivos que tiram centenas, talvez até milhares de pessoas de seus lares, mundo afora. A visão de alguém que dorme ao relento, sem higiene, sem o conforto de uma cama e o calor de um cobertor, é algo que incomoda a maioria das pessoas. E é claro, o senhor em questão, faz parte dessa estatística. Desnecessariamente, escolheu viver assim.

A partir da menção à cidade natal, iniciou-se um processo diferente nas abordagens: o de convencimento para que aquele senhor voltasse para casa. Depois de diversas tentativas, ele decidiu aceitar, já que seus cachorros seriam levados também. Carro e equipe do Canil Municipal seriam parceiros nessa jornada. Aqueles cães e seu dono eram personagens do dia a dia da cidade. Tudo precisava ser feito com detalhes e muito cuidado.

No primeiro dia marcado, ele se recusou a ir. Frustração foi o nosso sentimento. A expectativa daquela viagem era grande para todos os envolvidos. Afinal, aquele senhor recusava todo tipo de ajuda. Com pressão alta e problemas relacionados ao uso abusivo de bebida alcoolica, não aceitava o tratamento recomendado. Ele fazia o que queria, da maneira que bem entendia. Não adiantava exigir nada. A viagem havia sido marcada para quase um mês depois, por causa disso.

De acordo com ele, precisava de um exame de vista para poder voltar a dirigir. Exame este, que foi marcado e ele compareceu à consulta. Quando cheguei ao local marcado para a viagem, na primeira vez, ele reclamava do médico, pois não tinha sido o resultado que esperava: “as aparências enganam. O médico me ‘deu pau’ no exame porque vivo na rua”, explicou. Ahh, eu não contei algo antes. Seu Lucélio é muito inteligente. Conversa bem, se comunica com segurança. Ele sabe dar as respostas certas. É bastante convincente.  

Sendo assim, exame feito, cachorros tosados e limpos, chegou a hora de colocar o pé na estrada. Chegou a hora da tão aguardada viagem. Uma caminhonete com motorista e o veterinário, levaria os cachorros em segurança nas gaiolas próprias para o transporte. No outro carro iria, além de mim, o senhor a ser recambiado, o abordador e o motorista.

Nosso primeiro desafio foi o embarque dos cachorros. Precisou ser feito no centro da cidade, em horário de pico. E quem passava e não sabia o que estava acontecendo, entendia que estávamos levando embora os cachorros daquele senhor em situação de rua (mesmo que vissem o próprio dono dos animais, ajudando a embarcá-los). As pessoas têm tendência a tirar conclusões precipitadas e de acordo com o que preferem acreditar. Um advogado chegou a entregar o cartão de visita, caso aquele senhor precisasse de alguma ajuda.

Cães embarcados. O próximo desafio era embarcar os pertences do passageiro. Entre as gaiolas dos cachorros, foram colocadas diversas sacolas. Uma mala gigantesca ocupou todo o bagageiro do carro de passeio. Ainda tinha um carrinho de feira cheio de coisas, uma escada, outra mala gigantesca e mais sacolas. Afinal, nosso passageiro era um acumulador. Foi preciso achar outro carro. Assim que o carro chegou, com mais um motorista, aquele senhor embarcou com seus pertences. A previsão de saída oficial era às 14h. Saímos às 16h.

Pela estrada, aquele senhor empoderado, transportado em comboio aproveitou para adormecer no carro. Conversou, dormiu, acordou. Em certo momento: “Vamos parar para tomar um café!”, falou. Ele estava passeando. Enquanto isso, estávamos todos apreensivos com a viagem. Paramos. Fomos ao banheiro. Na saída, ele não quis lanchar naquele lugar, pois só tinha um atendente. “Lugar bom é lugar que atende bem. Vamos pra outra parada mais a frente”, ordenou. Sendo assim, partimos pra próxima parada.

Chegando lá, saiu do carro e já foi fazer o pedido. Um café com leite e um pão com manteiga na chapa. E ficou perguntando se não íamos pedir algo. Todos lancharam. No final, pegou nossa comanda e se dirigiu ao caixa. Ao me ver saindo da loja, gritou: “Menina, pega um chiclete pra você!”. “Não, moço. Obrigada, não precisa”, agradeci. Pegamos novamente a estrada até o destino final.

Na cidade natal, ele nos guiou até sua casa. Entramos em um bairro residencial, ruas de pedras, bem no estilo de cidade do interior. Paramos. Entramos em uma espécie de beco ou vila. Casas boas e um sobrado bem simples no meio. Dois andares apertadinhos entre duas casas. A casa estava abandonada há anos, mas sem nenhum vidro quebrado. Entramos na residência daquela cidade, pertencente a alguém que foi morar na rua de outra cidade.

Desembarcamos os cachorros e os pertences. Ele entrou na casa e nos chamou para mostrar tudo. Precisamos das lanternas dos celulares, já que não tinha luz na residência. Foi no segundo andar, voltou. Pegou um cobertor novo, de dentro de uma das caixas e estendeu para os cachorros deitarem. Dois ficaram, outro o seguiu até o lado de fora. Aquele senhor que vivia em situação de rua, escorou a porta de sua casa e foi procurar sua antiga companheira. De alguma fonte desconhecida, ouviu dizer que ela estaria em algum bairro que ele mesmo nem sabia onde era. Ele ficou na porta de casa, acompanhado dos seus cachorros, dizendo que ia procurá-la.

Voltamos daquela aventura. Saímos com sol a pino e quando voltamos, já era noite. Deixamos aquele morador de rua empoderado, inteligente e carismático em sua cidade natal, na esperança que mudasse de vida. Algumas semanas depois, ele estava de volta. Tarde da noite, recebi uma notificação e a foto. Aquele mesmo casaco verde. Cabelo e barba bem aparados. E várias coisas ao redor. Os cachorros? Ficaram em Cataguases. De acordo com ele, está só de passagem por Juiz de Fora. Notícias ele ainda manda. Com certeza está fazendo sucesso na cidade natal. E lá se vai quase um ano de uma das maiores aventuras da minha vida. Veremos as cenas dos próximos capítulos.

quarta-feira, 9 de maio de 2018

"Paulo, o apóstolo de Cristo": Vale a pena ir ao cinema?

O filme é de 2018. Imagem do Google Images,
 
Um filme sobre o Novo Testamento, a partir do livro de Atos, é coisa rara. Com exceção de vários filmes sobre o Apocalipse, poucas são as obras que contam a história de personagens bíblicos do Novo Testamento. Já assistimos diversos filmes, desenhos e seriados sobre as histórias dos personagens do Velho Testamento e sobre Jesus. Mas e Paulo? E Pedro? E João? E os demais apóstolos, durante a implantação da Igreja? E a História do início da Igreja? É certo que os relatos não são tão completos quanto os do Velho Testamento, por isso é necessária uma pesquisa histórica e teológica mais profunda para conseguir fazer uma produção assim.
 
As telas de cinema estão exibindo um filme que busca enfrentar esse desafio. O ator que apresentou Jesus em "A Paixão de Cristo", Jim Caviezel, é o produtor executivo e ator na produção "Paulo, o apóstolo de Cristo". O longa é dirigido pelo jovem diretor e roteirista Andrew Hyatt. Enquando Cavieziel interpreta Lucas, James Faulkner, que atuou em diversos filmes e seriados importantes, está maravilhoso como o apóstolo Paulo. 

O filme...

O filme se passa no período em que Paulo já passou por julgamento em Roma e se encontra na prisão. Lucas corre riscos para visitar o amigo na cela e terminar de escrever o livro de Atos dos Apóstolos. É claro que a produção contém licenças históricas mas, em geral, é bem fiel ao texto bíblico, com diversas citações de Paulo durante os diálogos. O pano de fundo é a loucura da perseguição do Imperador romanos, Nero, aos cristãos, como eles tentam se proteger e como eles pretendem sair da cidade. E, nesses momentos, as cenas são bem fortes. 

Paulo (James Faulkner) e Lucas (Jim Cavieziel)
 O roteiro também possui sua própria interpretação teológica acerca do tão discutido "espinho na carne" de Paulo. Confesso aqui que, com essa parte, apesar de emocionante, eu não concordei rsss... Tenho minhas próprias ideias acerca do tal "espinho", entre outras observações. Mas não vou dar spoiler aqui e quero que vocês observem se conseguem reconhecer isso no filme.  


Outra licença histórica está relacionada com a inserção do núcleo do personagem de Olivier Martinez, um prefeito do Império Romano, responsável pela prisão onde Paulo está guardado até a execução. Ele interage com Lucas e o apóstolo. O casal, Priscila (Joanne Whalley) e Áquila (John Lynch), conhecidos nas Escrituras por acompanharem o ministério de Paulo, também são importantes no longa.

O que achei...

O roteiro não é linear e pode se tornar confuso para quem não conhece o livro de Atos. Para quem está acostumado com o relato bíblico, é totalmente inteligível. O filme é recheado de flashbacks, o que gerou crítica da imprensa. A produção é mais voltada para cristãos mesmo. Não é possível contar tudo o que Paulo fez em menos de 2 horas. A história renderia uma linda série, com certeza.

Como cristã, super recomendo assistir esse filme. Todo cristão deve conhecer e ser impactado com a história da Igreja Primitiva, as perseguições pelo qual passava e a vida em amor e comunidade em que estavam inseridos. A partir do momento em que estamos confortáveis em nossas vidas, em que não somos confrontados por causa do nosso amor a Jesus, temos a tendência de nos acomodarmos e oferecermos a Deus uma adoração monótona. Porém, Ele pede "sacrifício de louvor". Você tem oferecido algum sacrifício a Deus??

"Paulo, o apóstolo de Cristo" nos lembra o quanto o apóstolo sofreu pela causa do nosso Senhor e o quanto nossos irmãos do primeiro século sofreram para que Palavra de Deus chegasse a nós, hoje. Seja grato! Seja confrontado por esse grande filme!


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